quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um ensaio de vida

A noite estava inquietada, enquanto a lua avançava para o ponto mais alto do céu o carro se aproximava de seu destino. A casa pequena tinha uma porta antiga na entrada decorada com rosas vermelhas que exalam um cheiro fúnebre, quase amargo. Nos cômodos escuros tudo era inquietação, a cada som eu rotacionava meu corpo e sentia o coração aos pulos tentar escapar de minha língua, via tudo cada vez mais embaçado, confuso.

Aos pulos avancei por entre as portas semi abertas, vesti um manto silencioso, cuidadoso, quase inaudível. Do andar de cima escutei a respiração forte, o arrastar do móvel, o estalar dos ossos. Deslizei pela escada como um fantasma e me vi parada em frente a uma porta branca, com rachaduras e pequenas gotas vermelhas. Me virei tentando desistir. Na parede oposta um espelho cintilava minha feição fantasmagórica, meus olhos fundos e escuros, minha boca triste, minha expressão duvidosa.

Com um empurrão afastei a entrada de meu corpo e tudo pareceu desmontar. Enquanto permaneci imóvel eles se mexeram freneticamente em sentidos opostos, soltei um grunido de dor de meu peito e a cabeça mais alta se virou ao meu encontro. Seus olhos estavam inexpressiveis, mas seu rosto se enchia de dor e prazer. Quando me dei conta reconheci o corpo menor ainda em choque. Corri, como se a casa não tive saída, tropecei em uma mochila, arranquei um bolsa da cadeira.

Passos nervosos ressoavam no piso de madeira. Meu nome foi gritado uma, duas, dez vezes. Quando alcancei a noite enluarada e dei a partida no mortor vi seu corpo seminu brilhar com o suor que escorria de seu peito. Com as mãos sobre o capo, uma fina luz da lua me mostrou arranhões e hematomas que eu nunca tinha visto. Avancei enquanto ele desviava de meu carro.
Não vi o sinal vermelho, avancei sem medo e fui atingida pela esquerda, senti um líquido quente escorrer por minhas pernas, ouvi sirenes, ambulâncias, bombeiros.

Um rapaz jovem e de olhos claros desabotoou o cinto e me carregou até uma maca. Gritando ele avisou aos médicos já na emergência do hospital sobre o acidente. Berraram, uma pontada de dor me fez perder o ar, aos poucos a dor ia aumentando, até que eu ouvi um choro.

Meu filho estava nas mãos do médico, roxo, implorando por ar. Não consegui pegá-lo em meus braços, duas horas depois me avisaram que ele estava na UTI. Procedimento normal para um recem nascido prematuro.Enquanto me davam algum remédio perguntei mais, mas não ouvi as respostas.

No dia seguinte acordei com a porta se abrindo e meu filho sendo depositado em meus braços. Enquanto um lágrima feliz e solitária escorria dos meus olhos, vi sua sombra parada na porta imóvel, seus olhos agora tinham vida, e também tinham dúvidas. Outra lágrima, magoada e nervosa escorreu de meus olhos. Ele avançou, eu apertei a campainha. O rapaz de olhos claros entrou as pressas, viu meu olhar pesado sobre ele e o afastou, olhei insegura para o bebê em meu colo e toquei suas bochechas.

Ele agarrou meu dedo, abriu os olhos e sorriu!